Valsa com Bashir*

19/05/2010

Começa com um cachorro. Raivoso, nos dois sentidos. A imagem da selvageria. E então mais cachorros. Uma matilha. Atravessam a cidade em crescente devastação, sem olhar para os lados, sem se incomodar com obstáculos. Até chegarem a seu objetivo. Uma janela. E latem. E latem. E Latem.

Um dos desafios da arte moderna, pensando a arte como a voz de seu tempo, era “como representar o irrepresentável, dizer o indizível?”. Uma das respostas para este dilema está em Guernica, de Pablo Picasso (1881-1973). Ali está representado ‘o horror, o horror’ do General Kurtz de Marlon Brando (1924-2004) em Apocalipse Now (1979).

Valsa com Bashir (em hebraico ואלס עם באשיר – Vals im Bashir, 2008) encara esse desafio do ponto de vista da memória. A imagem parcamente representada no primeiro parágrafo, e que abre o filme, é um sonho de um dos entrevistados, todos sobreviventes da Guerra do Líbano, de 1982. Esta cena guarda uma dupla relação com a guerra retratada no filme. De um lado, fala diretamente para a história do personagem-entrevistado: ele era o responsável por matar os cães das vilas para que estes não anunciassem a chegada dos soldados. De outro, a passagem dos cães pela cidade é como a passagem da guerra pela vida das pessoas: devastadora.

O filme combina diferentes técnicas de animação (rotoscopia, flash, animação tradicional em 2D e 3D) para amarrar todas estas pontas conceituais. O resultado é uma forma bela e poética de descrever o horror das memórias dos entrevistados-personagens que, juntas, vão tecendo a colcha que se torna o filme. Além de ser uma forma de retratar o irretratável, buscando a infidelidade da memória e sua minúcia subjetiva, ao invés de tentar escrachar o real. Que, de real, deixou apenas as cicatrizes nos corpos e nas almas daqueles povos.

*Luiz Vilela escreveu este texto. Trata-se do programa distribuído durante exibição de “Valsa com Bashir”, no dia 18 de maio de 2010.


É hoje! Valsa com Bashir no Terça tem cinema

18/05/2010

Hoje tem exibição do documentário de animação israelense Valsa com Bashir pelo clube de cinema da UTFPR Terça tem cinema. O filme rola no miniauditório do Campus Curitiba (Av. Sete de Setembro, 3.165 – Rebouças), às 18h30, com entrada gratuita. No final, sempre tem bate-papo!


Retrato de guerra só se compara a “Apocalipse Now”

Enquanto as HQs com simbolismo politizado transferem-se para o cinema despojadas de crítica e cinismo, a animação vem se tornando um terreno fértil para filmes falarem abertamente de política e ao mesmo tempo seduzirem públicos que não estão interessados em discursos.

Depois do delicioso “Persépolis”, de Marjane Satrapi, “Valsa com Bashir” inventa o que seu diretor, Ari Folman, chama de “documentário de animação” para reconstituir um dos episódios mais aterradores do eterno confronto entre Israel e o mundo árabe no Oriente Médio: o massacre de Sabra e Shatila.

Além das vantagens de reconstituir espaços e acontecimentos, a escolha da animação permite a Folman deixar aberta e evidente a face subjetiva de seu projeto documental. Por ser um relato em primeira pessoa, marcado por traumas e lembranças vividas, a animação, com suas cores, texturas, distorções e, sobretudo, poder de invenção oferece ao filme a oportunidade de reconstituir fatos recriando-os com a força do imaginário.

Desse modo, a guerra, com suas atrocidades de hábito, ressurge de um modo como vimos no cinema apenas em “Apocalipse Now” (aliás citado explicitamente no filme): como alucinação, delírio, brutal irracionalidade disfarçada de “razão”. Como não se trata de maquiar nem de tentar embelezar o que (talvez ainda mais para judeus) é mais abjeto -a destruição, o genocídio-, o filme não nos poupa de exibir as imagens diante das quais só conseguimos reagir com uma expressão: “O horror, o horror”.


VALSA COM BASHIR
Direção: Ari Folman
Classificação: não indicado a menores de 18 anos
Avaliação: ótimo

*Crítica assinada por Cássio Starling Carlos e publicada na edição de 3 de abril de 2009 na Folha de São Paulo.


Curiosidades sobre Valsa com Bashir

17/05/2010
  • Valsa com Bashir foi o primeiro filme de animação indicado para Melhor Filme Estrangeiro na história do Oscar.
  • Ao contrário do que se pode imaginar, não há nenhum trabalho de rotoscopia neste filme. A equipe de produção realmente utilizou câmeras de vídeo para capturar imagens (live action footage), mas as gravações foram usadas apenas como referência para os storyboards do filme. Os storyboards foram então redesenhados digitalmente, e os desenhos foram animados em Flash.
  • David Polonsky (diretor de arte de Valsa com Bashir) é destro, mas fez a maior parte das ilustrações para o filme com a mão esquerda, pois ele sentiu que seu traço original era muito bonito.

Fonte: IMDb


Meio live-action e meio animação, próximo longa de Folman adaptará romance de ficção científica

16/05/2010

Notícia do site omelete, de 14 de abril de 2010.

The Futurological Congress: Adaptação da obra de Stanislaw Lem tem primeiro vídeo

Diretor de Valsa com Bashir adapta com Robin Wright o romance de ficção científica

The Futurological Congress, romance de ficção científica escrito pelo polonês Stanislaw Lem, autor de Solaris, está virando um longa-metragem nas mãos do israelense Ari Folman, vencedor do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro por Valsa com Bashir. Um vídeo com imagens do filme acaba de cair na rede.

Veja abaixo uma prévia com cenas do longa – que, quando finalizado, será meio live-action, meio animação – e um depoimento de Folman.

A trama do filme adapta livremente a obra de Lem. A atriz Robin Wright (Beowulf) interpreta uma atriz cuja carreira está em decadência que acaba transportada para o futuro, quando todo mundo usa drogas psicotrópicas e as alucinações substituíram a realidade. No filme, a viagem ao futuro marca a passagem do live-action para a animação.

O filme ainda está sendo produzido e não tem data de lançamento definida.


Entrevista de Ari Folman para Cahiers du Cinéma

15/05/2010

Eugenio Renzi e Ariel Schweizer entrevistaram Ari Folman, em Cannes, para a revista francesa Cahiers du Cinéma. A Atalanta Filmes, responsável pela distribuição de Valsa com Bashir em Portugal, traduziu alguns trechos da entrevista, que a gente disponibiliza aqui no blog.

(…)

Qual é a genealogia do filme?
A primeira etapa foi de procura de materiais sobre a guerra do Líbano e sobre o massacre de Sabra e Chatila. Isso durou um ano. Pouco a pouco percebi que queria centrar o filme na minha experiência pessoal na altura dessa guerra e pus-me a escrever o guião [roteiro] fazendo ao mesmo tempo entrevistas filmadas com os camaradas da minha unidade da altura.

E no que toca à animação?
Foi um processo de descoberta e de invenção permanente, já que não existe nenhum manual de fabricação de um filme desse género. Em Valsa com Bashir, sete personagens são inspiradas de pessoas reais e duas foram inventadas. Realizámos em animação um esboço de nove minutos baseado no meu guião e nas entrevistas de vídeo. A partir desta curta-metragem fizemos o planeamento para a longa-metragem. O trabalho de animação que se seguiu foi visualmente inspirado dessas entrevistas, assim como das imagens de arquivo, nomeadamente de fotos de guerra encontradas nas agências de comunicação e na Internet. É um método diferente da técnica utilizada por Richard Linklater em A Scanner Darkly, que é uma transformação directa, e fria a meu ver, de imagens reais em imagens de animação. No meu filme as imagens reais e as fotos de arquivo constituíam apenas um ponto de partida para um trabalho criativo deixando aos animadores uma grande margem de liberdade e de imaginação.

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