Futuro da sala de exibição produz os curtas-metragens mais instigantes em Cada Um Com Seu Cinema

29/10/2012

No ano passado o Festival de Cannes completou 60 anos. Para celebrar o aniversário, seu curador Gilles Jacob planejou uma homenagem ao cinema. Mais exatamente à sala de exibição, à emoção do espectador ao assistir a um filme no escurinho do cinema. Trinta e quatro cineastas de vinte e cinco países – a grande maioria de veteranos do festival – foram então chamados para produzir, cada um, um curta-metragem de no máximo três minutos sobre o tema.

O resultado, com o título de “Cada Um Com Seu Cinema” (2007), foi exibido em maio último em Cannes, e veio ao Brasil para a 31ª. Mostra de Cinema Internacional de São Paulo, chegando ao circuito comercial meses depois. Para quem viu “Paris, Te Amo” (2006), trata-se de um filme com a mesma característica: substitua a cidade-luz pela sala de cinema, e temos o mesmo tipo de colagem de curtas-metragens com a visão particular de cada diretor a respeito de um objeto comum.

Como em propostas desse tipo, há muitos altos e baixos entre cada obra, muito por conta da inevitável comparação entre diretores. No caso específico de “Cada Um Com Seu Cinema”, acrescente-se ainda a semelhança de perspectivas entre vários dos curtas. Muitos autores optaram por lançar um olhar saudoso e melancólico sobre as salas de cinema, um olhar autobiográfico, ressaltando a importância delas em sua educação sentimental e na vida social das pessoas.

Todavia, num momento em que o espaço físico “cinema” vive uma crise de identidade sem precedentes, transformada apenas na primeira janela de exibição para longas-metragens, com a finalidade de “esquentar” o faturamento infinitamente maior obtido por estúdios e distribuidoras com o lançamento de DVD’s e a comercialização com canais de televisão, parece-me anacrônico sublinhar o passado de glória dos palácios de exibição. Anacrônico na medida em que os cinemas de rua, na sua grande maioria, fecharam suas portas, em que as salas multiplex espalharam-se pelos centros de compra, dentro de um conceito muito pouco aconchegante, em que o cinema disputa à tapa um espaço de sobrevivência com outras formas de entretenimento e lazer. Por tudo isso, o presente e o futuro do cinema interessaram-me muito mais nessa costura de pontos de vistas. Seguindo tal critério, destacaria:

1) “Na Obscuridade”, dos irmãos Dardenne, bicampeões de Palma de Ouro, pela concisão e simplicidade da narrativa. Um rapaz arrasta-se pelas cadeiras e fileiras de uma sala de cinema, para cometer pequenos furtos, até que sua possível vítima o detém pegando em sua mão num momento de intensa emoção como espectadora. A mão que furtaria transforma-se na mão compassiva, solidária. A sala de cinema como local privilegiado de conciliação, de resolução de conflitos, sobretudo em tempos socialmente conturbados, contexto preferencial da obra seca e ao mesmo tempo tocante de Jean-Pierre e Luc Dardenne (cabe ainda mencionar a homenagem explícita à obra de Robert Bresson, grande influência dos Dardenne, tanto no que se refere ao tema do batedor de carteira – “Pickpocket” é um dos principais títulos de Bresson – como ao filme em exibição, “Au hazard Balthazar”, também de autoria de Bresson).

2) “No Suicídio do Último Judeu do Mundo no Último Cinema do Mundo”, de David Cronenberg, o único curta a propor uma ficção sobre o futuro da sala de cinema. Contundente pelo minimalismo de uma única seqüência de close-up num homem de meia-idade experimentando várias formas de se matar com uma pistola no banheiro de um cinema. Há uma narração em off, de dois repórteres numa transmissão tipo CNN em tempo real, relatando que se trata do último judeu da face da terra assim como da última sala de cinema, abandonada. Uma crítica aos tempos de camuflagem do politicamente incorreto pelo politicamente correto; uma crítica ao sensacionalismo televisivo; uma crítica à violência, tão presente na obra de Cronenberg. Violência à qual o cinema não consegue resistir. (Curiosidade: é o próprio Cronenberg a interpretar o papel do último judeu suicida).

3) “Final Feliz”, de Ken Loach, retrata pai e filho na fila da bilheteria, indecisos sobre a que filme assistir. A escolha é grande, afinal trata-se de um conjunto multiplex, com várias opções de sala, coisas da modernidade. Eles lêem em voz alta a programação, incomodando os demais indivíduos na fila. Filme de terror, de ação, aventura, trash, qual deles? Na boca do guichê, a bilheteira já sem paciência, o pai pergunta ao filho: e por que não vamos a uma partida de futebol? E saem felizes com a decisão tomada. Muito contemporâneo dos dilemas econômicos vividos pelo cinema como entretenimento, tratado de forma leve e cômica por Loach, sem deixar de inserir típicos personagens de seus filmes, um pai e um filho com jeito e sotaque de East End londrino.

No Brasil, analogamente aos sem-teto e aos sem-terra, há os “sem-tela”, indivíduos alijados das salas de cinema pelo alto valor dos ingressos cobrados. São pessoas de origem mais simples, aos quais nem o recurso da falsificação da carteira de estudante está disponível. Só lhes resta a televisão e o DVD como opção de lazer audiovisual. Na outra ponta, há aqueles com renda de sobra, acomodados, porém, em sofás confortáveis diante de TVs de plasma e sofisticados home-theaters. A desculpa é não disporem de tempo livre para ir ao cinema, fora o problema da segurança. E há aqueles que ainda resistem, que não trocam a experiência mágica da sala escura e da tela grande por nenhuma outra forma de exibição audiovisual.

As salas de cinema vão continuar a existir. Mas não podemos deixar de pensar nos rumos que queremos dar a elas, como política cultural inclusive. Afinal, se há comunismo possível, ele existe na diversidade coletiva de espectadores igualmente atraídos pelo encantamento produzido por imagem e som em movimento.

Em tempo: o curta produzido por David Lynch para o projeto ficou de fora do corte final. Portanto, são 33 fragmentos ao todo. Para quem se interessar, o curta-metragem de Lynch está disponível no site youtube. Chama-se “Absurda”: onírico, típico do diretor.

Texto de Marcos Ribeiro de Moraes em cineplayers.

 


Salve o Cinema

09/10/2012

É fato que o cinema é, atualmente, a linguagem artística mais difundida e acessível à grande população mundial. Através dela conhecemos  culturas variadas, modos de vida extremamente diferenciados e ainda o fascínio que a própria linguagem cinematográfica exerce sobre os povos desse mundo tão colorido.

Fato esse que desencadeia a história que iremos ver em Salve o Cinema (Salaam Cinema, 1995), na direção do famoso  Mohsen Makhmalbaf.   Mohsen já é um diretor conhecido pelo público do Terça tem Cinema, pela exibição do filme Close up (de Abbas Kiarostami), que conta a história de um jovem que se passa pelo diretor. 

A paixão e o enlouquecimento do povo pelo cinema fica claro no chamamento do diretor para a gravação de um filme com estranhos. No dia do teste, um mar de pessoas aparecem, o que nos remete às audições dos atuais reality shows no mundo todo. Cada desconhecido requerendo os seus 15 minutos de fama, assim como anunciou o artista da pop arte, Andy Warhol.

Nós os convidamos para adentrar esse universo cultural diferenciado que é o cinema iraniano. E, para aqueles que ainda não viram Close Up, do Abbas Kiarostami, que o façam porque não será tempo perdido.


Salve o Cinema

04/10/2012

Resenha para a Agência Estado, em 1997Salve o Cinema não é daqueles filmes que agradam a maior parte do público. Mas é um interessantíssimo documento, de cinema e de história. É um filme que reflete sobre o próprio cinema (foi feito em 1995, o ano das comemorações do centenário da forma de arte mais popular do século 20), sobre o fascínio que o cinema exerce sobre as multidões – e acaba servindo de painel sobre o Irã, e sobre esse interessantíssimo, fascinante fenômeno dos anos 90, a explosão da produção cinematográfica iraniana.

A idéia da qual partiu o diretor Mohsen Makhmalbaf é brilhante (bem mais, na verdade, do que o conjunto, o resultado final): ele mesmo um dos nomes mais conhecidos do novo cinema iraniano, Makhmalbaf colocou anúncios nos jornais dizendo que iria escolher entre desconhecidos os atores do seu filme seguinte – e, em seguida, filmou o que aconteceu.

O que aconteceu foi que uma imensa, inimaginável, brutal multidão apareceu no local onde seriam feitos os testes. O documentário começa exatamente com as cenas da horda de milhares e milhares de pessoas se comprimindo junto ao local escolhido, se pisoteando, tentando garantir um lugar nos testes que o diretor faria. Depois, o filme vai mostrando como o diretor formou os grupos dos escolhidos, o que ele pediu para as pessoas do povo – gente comum, simples, humilde, pobre – fazerem diante das câmaras, as respostas delas a perguntas sobre por que elas estavam ali, por que elas queriam trabalhar no cinema.

É fascinante ver como é profunda a admiração daquela gente simples pelo cinema de seu país – ou, no mínimo o reconhecimento da importância dele. Faz lembrar outro grande fenômeno, o do cinema da então Tchecoslováquia nos anos da Primavera de Praga, na segunda metade dos anos 70, quando o regime comunista permitiu o trabalho de tantos diretores talentosos. Milos Forman, o mais talentoso deles, deu este ano (o texto é de 1997) um depoimento tão interessante quanto esse filme iraniano: “Os filmes feitos pela minha geração foram aprovados no Ocidente; os dirigentes comunistas detestavam aqueles filmes, mas ao mesmo tempo ficavam absolutamente satisfeitos com o fato de aqueles filmes estarem recebendo elogios no Ocidente. E por isso pudemos continuar fazendo filmes, até que os tanques russos invadiram a Tchecoslováquia, em 1968.”

Como Forman fez sobre o cinema de seu país, o diretor Makhmalbaf dá as pistas de por que o governo dos aiatolás, tão absolutamente medieval, carrancudo, repressivo e repressor, permite que os diretores façam seus filmes sem uma censura tão rigorosa: é justamente porque o cinema do Irã tem sido apreciado e premiado no mundo inteiro; é o único produto cultural de exportação do país; não há como impedir que ele continue existindo. E, como ele continua existindo, acaba sendo uma brecha de luz dentro daquele regime teocrático e de tão pouca liberdade.

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Complemento em 2009: Na época em que escrevi o texto acima, 1997, não me lembrei, mas o fato é que essa idéia de publicar um anúncio de procuram-se atores e filmar o resultado já havia sido sido feito na época do neo-realismo italiano. É exatamente esse o tema de um dos esquetes do filme Nós, As Mulheres/Siamo Donne, de 1953.

Texto de Sérgio Vaz em 50 anos de filmes.