L’illusionniste, de Sylvain Chomet, estreará em novembro no Brasil

29/04/2010

Anotem na agenda! Ou em um papel e colem na porta da geladeira! L’illusionniste (O Ilusionista), segundo longa de animação de Sylvain Chomet (As Bicicletas de Belleville), está previsto para estrear no Brasil no dia 05 de novembro. O filme já estreou na Europa em fevereiro e sua realização envolve polêmica. Isso porque L’illusionniste é baseado em um roteiro de Jacques Tati, escrito em forma de carta para sua filha ilegítima Helga, mas nunca entregue a ela. Animação de Sylvain Chomet? Roteiro de Jacques Tati? Polêmica? Enfim, L’illusionniste promete! Dá pra ver pelas imagens no trailer russo do filme (pois é, infelizmente não conseguimos encontrar em outro idioma…).

E pra quem ficou interessado na polêmica…

O filme perdido de Jacques Tati é uma carta à filha ilegítima

O realizador de “Belleville Rendez-Vous” adaptou o último guião [roteiro] de Jacques Tati. “L’illusionniste” estreia-se no Festival de Berlim este mês

Jacques Tati foi tão desastrado com a filha Helga como a sua personagem cómica, o Monsieur Hulot, em “Mon Oncle”. Tal como no episódio da cozinha moderna, Tati queimou-se e não conseguiu abrir uma única porta. O realizador francês morreu sem conhecer a filha e sem lhe responder a uma única carta ou telefonema. Foi a irmã de Tati que o convenceu a não se casar com a mãe de Helga, Herta, uma bailarina austríaca que conheceu no Teatro de Paris. Nathalie obrigou Herta a assinar um documento legal, em troca de dinheiro, aceitando nunca exigir nada ao pai da criança.

O escândalo foi abafado, mas no teatro de Paris, onde Tati e Herta trabalhavam, todos sabiam da história. Terá sido a vergonha a impedir Jacques Tati de assumir a filha; mesmo assim tentou uma aproximação. Escreveu-lhe uma carta em forma de guião que nunca lhe entregou. “L’illusionniste” chega até nós pelas mãos do realizador de “Belleville Rendez-Vous”, Sylvain Chomet, e estreia-se este mês no Festival de Berlim envolto em polémica.

O último guião de Tati conta a história de um mágico famoso em decadência. O ilusionista foi afastado dos grandes teatros e contenta-se com festinhas de família e actuações em bares. É numa dessas festas que encontra uma jovem que vai mudar-lhe a vida.

É uma história de amor entre pai e filha que se acredita ser uma carta a Helga Marie-Jeanne Schiel. A família ilegítima de Tati, os únicos vivos, acusam o realizador Sylvain Chomet de não revelar que a verdadeira inspiração foi Helga.

Sylvain Chomet recebeu o guião em 2000 de Sophie Tatischeff, a filha legítima. O cineasta contactou a herdeira de Tati para lhe pedir permissão para incluir um clip do filme “Jour de Fête”, em “Belleville Rendez-Vous”. “O grande cómico francês escreveu o guião ‘L’ilusionniste’ e tinha intenção de o filmar com a sua filha”, disse Sylvain Chomet. E mais não acrescentou acerca da polémica.

drama familiar

Helga sempre soube quem era o seu pai. Mas só teve coragem de lhe escrever na adolescência. Jacques Tati já era o aclamado realizador francês, com um sentido de humor apurado, vencedor de um Óscar. Helga estava num orfanato em Marrocos quando escreveu várias cartas ao pai e tentou contactá-lo de todas as formas. Nunca obteve resposta. Foi nessa altura, em 1956, que Jacques Tati escreveu o argumento deste filme. Originalmente estava escrito como uma carta e só agora foi tornado público. Casada, com filhos e netos, a viver no Reino Unido, Helga só revelou a história depois de saber da existência deste filme.

por Vanda Marques com Sandra Pereira, publicado em 04 de Fevereiro de 2010 no site português www.ionline.pt


As Bicicletas de Belleville*

28/04/2010

(Quando bem pequeno, Champion, o neto de Madame Souza, tinha olhos grandes do tamanho de rodas de bicicleta.

Quando bem pequeno, o neto de Madame Souza ganhou uma bicicleta com três rodas, uma na frente e duas atrás. Ela fazia duas linhas no chão de areia.

Quando finalmente se equilibrou em duas rodas, formou-se apenas uma linha no chão de areia.

Sentiu-se nostálgico?)

Nostalgia.

É isso que você vai sentir ao assistir ao filme ‘As Bicicletas de Belleville’. Nostalgia de uma época que você não viveu, nostalgia das técnicas mais tradicionais de animação, nostalgia do cinema mudo, nostalgia de não ser mais criança, nostalgia de um mundo construído para comunicar com imagens, nostalgia do belo.

Existe uma linha nostálgica e expressionista que forma as personagens da animação ‘As Bicicletas de Belleville’. A linha que seguimos por todo o filme sai do nariz enorme e expressionista de Champion para o focinho do exageradamente gorducho cão Bruno.

A linha nostálgica guia nosso olhar para uma França apaixonada pelo seu Tour de France, pela vida ao ar livre e, é claro, por suas bicicletas. O mundo do filme gira em torno destas personagens fininhas, de ferro e borracha. Essa linha ora tem seus contornos preenchidos em cores sépia e tons pastéis – como na infância de Champion – ora tem o preto e o branco como colega mais nostálgico, ao fazer referência às animações de Max Fleischer, ao cinema mudo e ao teatro de revista na apresentação das cantoras trigêmeas.

A linha que cria Belleville é um pouco mais crítica, desenhando personagens gorduchos, esfomeados e não muito gentis. Essa linha foi buscar inspiração numa Nova York fria e sinistra com tons predominantemente verdes e azuis, alternando cenários de decadência e glamour.

A comunicação por imagens traz um roteiro onde Madame Souza anseia que o neto Champion torne-se campeão da famosa Tour de France. Até que o rapaz e outros ciclistas são sequestrados durante a competição. É quando Madame Souza e seu fiel cão Bruno entram em ação – com ajuda de um trio de dançarinas de cabaré elegantes e decadentes – numa aventura pela França dos anos 50 à procura de Champion.

Sylvain Chomet parece ser um criador de pequenos sonhos a partir de linhas, e são muitas as que Chomet precisou desenhar nessa animação. Linhas artesanais criadas a partir da boa e velha técnica do desenho bidimensional com algumas pitadas de técnicas modernosas. Chomet também colocou suas linhas em The Old Lady and the Pigeon (1998) e no esperado The Illusionist (2010).

Indicado ao Oscar de melhor animação e melhor canção em 2004, o longa-metragem do diretor francês Sylvain Chomet é notável por sobrepor o desenho ao texto numa narrativa tensa, crítica e irônica, imersa em nostalgia e revivalismo. Fruto da parceria longeva entre Chomet e o compatriota Nicolas de Crécy, a linha expressionista de ‘As Bicicletas de Belleville’ nos apresenta aos personagens em cores determinadas pelo próprio cenário francês.

As curvas do ciclista Champion, o focinho do cão Bruno, as bochechas de Madame Souza, a elegância das dançarinas de cabaré, a aversão ao consumismo e modernidade, a ironia em explícita referência ao ícone da comédia francesa Jacques Tati, a nostalgia, as técnicas de animação, as cores, o cinema mudo… com tais elementos a dupla Chomet e Crécy torna Les Triplettes de Belleville (título original) um símbolo da importância do desenho no roteiro.

*Graci Mello e Juliana Perrella escreveram este texto. Trata-se do programa distribuído durante exibição de “As Bicicletas de Belleville”, no dia 27 de abril de 2010.


É hoje! Terça tem cinema exibe As Bicicletas de Belleville

27/04/2010

A animação francesa “As Bicicletas de Belleville” estará em cartaz hoje, no miniauditório do Campus Curitiba da UTFPR (Av. Sete de Setembro, 3.165). A exibição começa às 18h30 e a entrada é gratuita. No final, tem bate-papo. Apareça!

O charme está na incompletude

Há algo de tremendamente comovente no artesanato de “As Bicicletas de Belleville”. Um filme de animação como esse merece ser chamado “desenho animado”, categoria hoje em extinção, substituída quase sempre pela animação computadorizada.

Sylvain Chomet narra a história do menino ciclista cujo sonho é ganhar o Tour de France, mas que é seqüestrado por gângsteres e forçado a pedalar para eles.

História que não deixa de ser uma metáfora da vida dos independentes do cinema (especialmente quando não americanos): pedalam para que outros usufruam de seu esforço.

Há beleza nos traços despojados de Chomet, que lembram um desenho improvisado, incompleto e fazem dessa incompletude seu charme.

Texto do crítico Inácio Araujo, publicado no caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo no dia 14 de dezembro de 2005.

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Animação francesa pedala entre grandes nomes de sua cultura

25/04/2010

Fábula de Sylvain Chomet prescinde de diálogos e busca sustentação na música

Com a sequência inicial de “As Bicicletas de Belleville”, Sylvain Chomet poderia se redimir de qualquer deslize posterior do filme. Felizmente, não é preciso redenção. O primeiro longa-metragem do animador e quadrinista francês, diretor do premiado “A Velha e os Pombos” (97), começa passando a limpo personagens que povoaram a cultura francesa do último século, desde os traços -em leve homenagem ao caricaturista Albert Dubout (1905-1976)- às figuras de Django Reinhardt, Josephine Baker, Charles Trenet e Fred Astaire.

A abertura, na verdade, é um filme a que um menino melancólico, Champion, e sua avó, Madame Souza, assistem e em que se apresentam também as Triplettes de Belleville, trio musical fictício daqueles supostos anos 30. A sequência serve também como indício de que Chomet faz questão de explicitar as referências, que vão guiá-lo filme afora, até culminar num agradecimento ao cineasta Jacques Tati (1907-1982).

Personagens de traços angulosos recheiam a trama improvável, que parte da paixão do jovem Champion por bicicletas. O progresso entorta a casa dos Souza para abrir caminho a um trem, mas nada parece abalar a velhinha portuguesa, que se dedica a treinar o ciclista Champion.

Ele cresce, ganha músculos, um imenso nariz e vai participar da Volta da França, mas não completa a prova: é sequestrado por capangas da máfia francesa.

A partir do faro de seu cão Bruno -pavloviano de carteirinha-, Madame Souza vai atrás de seu neto, atravessando o Atlântico de pedalinho, numa sequência em 3D que talvez se revele o momento mais bonito do filme. A dupla chega a Belleville, mistura de Nova York e Montréal, onde a obesidade é a regra.

Cenas de perseguição e algum suspense são entremeadas pelos números musicais e instrumentos pouco ortodoxos das já decadentes Triplettes, que ganham o reforço de Madame Souza.

Durante todo o filme, não se ouvem palavras -apenas as do locutor da Volta da França e um discurso do presidente Charles de Gaulle (1890-1970).

Apoiado em seus traços, Chomet não precisa de nada além de boa música para dar tom à fábula. Exagera clichês sobre franceses (principalmente gastronômicos), brinca com seu quebra-cabeças de nomes famosos e passa a limpo suas referências mudas, sem precisar pedir licença nem desculpas.

As Bicicletas de Belleville
Les Triplettes de Belleville

Produção: França/Canadá/Bélgica, 2002
Direção: Sylvain Chomet

Texto de Alexandra Moraes, publicado no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo no dia 12 de setembro de 2003.


Texto sobre As Bicicletas de Belleville do site Cine Repórter

24/04/2010

Uma animação francesa sem diálogos. A descrição básica de “As Bicicletas de Belleville” (Les Triplettes de Belleville, França/Canadá/Bélgica, 2003) pode até não parecer interessante, mas não se deixe enganar por preconceitos. O filme de estréia do francês Sylvain Chomet é lúdico, belo e inteligente. É cinema de primeira qualidade, com uma animação que parece saída das mãos de algum pintor europeu do século XIX que, de quebra, bolou um roteiro carinhoso, anárquico e brilhante.

Para começar, a película passa longe do padrão de qualidade das produções norte-americanas. Ao invés do visual colorido, limpo e realista das animações que Hollywood vem produzindo ultimamente (e isso inclui desde “O Rei Leão” até “Procurando Nemo”, dois ótimos exemplos de exercício cinematográfico no campo do desenho animado), “As Bicicletas de Belleville” opta por um visual estilizado, quase surrealista. Isso resulta em seres e paisagens caricaturais, construídos em tons pastéis (de dia) e com jogo perfeito de luz e sombras (à noite). A proposta combina perfeitamente com o tom onírico da narrativa.

O filme transporta para a tela uma perfeita faceta do imaginário francês, incluindo a visão que os habitantes do país europeu têm dos norte-americanos, vistos no filme como homens invariavelmente gordos, que vivem comendo hambúrguer e apostando em jogos de azar (preste atenção na Estátua da Liberdade!). A visão de Chomet, porém, é crítica e sem um pingo de auto-complacência; os franceses são narigudos e um tantinho pernósticos. O filme estabelece um universo carinhoso e nostálgico, inclusive na ambientação – a época não é revelada claramente, mas as próprias imagens de TV preto-e-brancas que abrem o filme, com um trio de cantoras realizando uma coreografia hilariante, situam a película nos anos 1950. Roupas, canções e automóveis apenas confirmam a impressão.

Os personagens são outro charme do filme. “As Bicicletas de Belleville” gira em torno de Madame Souza, uma baixinha gorducha e manca que cria um menino tristonho e de olhos fundos, Champion. O garoto é tão apaixonado por bicicletas que a velhota (mãe? tia? avó?) logo lhe compra uma. Alguns anos depois, vemos Champion (agora um ciclista magérrimo com panturrilhas que parecem nádegas e um nariz que emenda com a testa) treinando arduamente para participar da Volta da França, a mais famosa corrida de bicicletas. Durante a prova, ele e mais dois colegas ciclistas são raptados por misteriosos homens vestidos de preto, que o embarcam num navio e rumam para os EUA. Seguindo as pistas e com a ajuda do engraçadíssimo Bruno, um cachorro esquizofrênico de olfato apurado, Madame Souza vai atrás. De pedalinho!
Dita assim, em poucas palavras, a trama parece um tanto convencional e sem graça, mas passa longe, muito longe disso. Desde os primeiros minutos de projeção, percebe-se que a noção de comédia de Chomet é muito peculiar, chegando à beira do surreal mesmo – em alguns momentos, até lembra os esquetes saudosos do Monty Python. Em seqüências como os sonhos tresloucados do cão Bruno e, particularmente, depois que a ação principal passa a acontecer em território americano, o filme comunica uma atmosfera onírica que parece ter uma saudável influência do universo montado pelo diretor Jean-Pierre Jeunet, em filmes como “Ladrão de Sonhos”. Uma espécie de pesadelo hilariante, se é que isso é possível.

Utilizando gags que remetem ao saudoso cômico francês Jacques Tati (há uma cena em particular envolvendo uma bicicleta e uma ponte que é retirada diretamente do filme “As Férias de Monsieur Hulot”, cujo pôster inclusive aparece na parede de uma casa) e um senso de humor tão refinado quanto bizarro, “As Bicicletas de Belleville” chegou a disputar o Oscar de Melhor Animação em 2004. Não ganhou, mas mostrou ao mundo que os EUA não são mais soberanos no terrotório da animação. Aliás, a qualidade da animação em si, feita com ajuda de computadores, mas criando a ilusão de desenho animado manual, é nada menos do que espetacular, como mostra a incrível seqüência da tempestade em alto mar. Um pequeno clássico desconhecido.

Texto de Rodrigo Carreiro, retirado do site cine repórter.