É real, é ficção. É jogo, é cena. É emoção

04/10/2011

Alunos do curso de Técnico em Produção de Áudio e Vídeo, do Colégio Estadual do Paraná, participaram da edição do Terça Tem Cinema no último dia 27. Em cartaz – e em discussão – “Jogo de Cena”, de Eduardo Coutinho. De volta à sala de aula, os estudantes do 1º A do referido curso colocaram no papel suas impressões. Ei-las:

Quem está atuando?
Por @Sam_twin e @Sah_twin

O documentário “Jogo de Cena”, de Eduardo Coutinho, mostra vários dramas vividos pelos personagens. Histórias que se tornaram comuns, como perder um filho que reagiu a um assalto. Entre os personagens, seis atrizes contando os mesmos fatos ocorridos pelas entrevistadas, situação essa que nos deixa com dúvidas sobre quem está falando a verdade e quem está atuando.

A personagem que mais chamou atenção foi uma mulher que morou no exterior, que não vê sua filha há anos; ela se emocionou contando a história do filme “Procurando Nemo”, que pra ela é uma lição de vida. E no final do documentário ela ainda canta a canção “Se Essa Rua Fosse Minha”. (RISOS!)

Jogo de Cena. Ou de emoção?
Por Milena , Ragmam e Renan

Ter uma história. Era a única exigência que o filme fazia para mulheres dispostas a doarem sua história e serem entrevistadas por Eduardo Coutinho, que realizaria seu “Jogo de Cena”. Dentre as histórias escolhidas temos a interpretação, por quem a conta, e a reinterpretação, por atrizes. Aí está o jogo. No palco de um teatro vazio, com atrizes desconhecidas, ficamos em dúvida:
de quem realmente é a história?
Ao apresentar atrizes conhecidas, percebe-se a real intenção do documentário. Não é simplesmente se emocionar com diferentes histórias, mas, sim identificar-se com ela, seja real ou não! Coutinho conta cenas da vida de pessoas, joga com nossas emoções e, por fim, nos faz pensar: ao recontar nossas histórias, interpretamos personagens ou fazemos com que o público que as vê se identifique e se torne ele, o personagem principal?

Realidade encenada
Por Ana Rocha, Carlos e Michael Henrique

O documentário mistura realidade com ficção por meio de uma produção simples, porém bem estruturada. A partir de um anúncio de jornal o diretor seleciona histórias de mulheres e as expõe no filme.

Com depoimentos ora das protagonistas dessas histórias, ora interpretadas por atrizes, tem-se um jogo de cenas – uma seguida da outra -, que envolve e emociona. Relatos dramáticos da vida real, ali apresentados, chegam a confundir o que é real do que não passa de uma representação.

O filme faz com que o público que está assistindo comece a pensar e visualizar como as personagens enfrentaram e superaram barreiras. Superação essa seja através da religião, de apoio dos familiares ou se agarrando aos bons momentos do passado.

Até as atrizes convidadas para interpretar uma situação real encontram dificuldades ao se identificarem com suas histórias de vida. Por exemplo, a atriz Marília Pêra, que ao contar a história da mãe que não falava com a filha sentia a dificuldade de interpretar, pois se lembrava da própria filha. De uma forma ou outra, nos depoimentos verídicos ou nas interpretações, o documentário aproxima a ideia de que o real pode, a qualquer momento, ser questionado.

Sob a luz da câmera
Por Karina Silva e Hudyson Dias

O documentário retrata aspectos em que a realidade nem sempre é tão convincente. As cenas, intercaladas por mulheres que falam sobre seus sonhos, amores, medos e tragédias, tornam-se ingredientes básicos para que o autor construa um novo olhar sobre a percepção do ficcional e do real. Até que ponto a ficção se confunde com a realidade? É mais fácil dar vida ao fictício ou interpretar a realidade, que muitas vezes é tão cruel?

Num jogo de cenas e fatos, a realidade também pode ser mascarada ou manipulada, tudo depende da imagem que quer passar.

Numa conversa sob a luz do palco, atrizes de suas próprias histórias se expõem sob o olhar observador da lente humana. Coutinho, o entrevistador-diretor, extrai de suas “personagens” histórias marcantes, em que a única trilha sonora é a emoção.

Texto enviado pelo professor Wagner de Alcântara Aragão


Jogo de cena*

04/10/2011

Um palco de teatro, no qual várias mulheres são filmadas, uma de cada vez, sentadas em uma cadeira. De costas para uma plateia vazia, elas contam histórias em primeira pessoa. É assim que é “Jogo de Cena”. A produção não poderia ser mais simples. Mas as discussões que o filme é capaz de levantar são bastante complexas.

Qual é a ideia? Foi feito um anúncio em jornal convocando mulheres a realizarem um teste para participar de um documentário. Era necessário apenas ter histórias para contar. Oitenta e três foram entrevistadas e, destas, vinte e três selecionadas para gravarem seus depoimentos no Teatro Glauce Rocha. Três meses depois, atrizes foram convocadas a interpretar, a seu modo, as histórias daquelas mulheres.

Com esta premissa, Eduardo Coutinho vai nos mostrando o limiar entre realidade e ficção: depoimentos reais são intercalados com interpretações. Começamos a nos indagar quem é a pessoa realmente “dona” da história, e quem está atuando? Ao nos depararmos com os rostos de algumas atrizes conhecidas, fica claro saber quem está “mentindo”, ainda mais que elas inclusive chegam a fazer comentários sobre a atuação. Mas em outros casos, fica difícil desconfiar que aqueles depoimentos não sejam verdadeiros.

A partir disso, questões mais complexas sobre real e representação podem ser levantadas. Por exemplo, não existem garantias que em um depoimento “real”, aquela pessoa não tenha exagerado em algumas partes da história, ou até mesmo incluído detalhes para torná-la mais interessante. Da mesma forma, quem pode dizer que uma atriz não teve sentimentos verdadeiros ao interpretar um texto que não lhe pertence, mas que lhe toca?

O próprio Coutinho afirma que mais importante do que o tema de um documentário, é a maneira como esse tema é tratado. Em “Jogo de Cena”, essa ideia fica bastante clara: uma hora, percebemos que o importante não é mais quem está falando a verdade ou quem está mentindo, mas sim sentir a maneira que as mensagens são transmitidas.

Afinal, se pararmos para pensar, todos nós interpretamos personagens em nosso dia a dia, em maior ou menor grau. No fim, o que interessa é a força que transmitimos nas histórias que contamos. Reais ou não.

*Andrea Mayumi Maciel escreveu este texto. Trata-se do programa distribuído durante exibição de “Jogo de Cena”, no dia 27 de setembro de 2011.


Hoje tem Jogo de Cena

27/09/2011

O projeto Terça tem Cinema exibe em setembro o filme Jogo de Cena.

Dia: 27 de setembro
Hora: 18h30
Local: Miniauditório do Campus Curitiba da UTFPR

Confira ficha técnica.

Ficha técnica

Título original: Jogo de Cena
Gênero: Documentário
Duração: 105 min
Ano de lançamento: 2007
País: Brasil
Direção: Eduardo Coutinho
Elenco: Marília Pêra, Andréa Beltrão, Fernanda Gomes, Mary Sheyla, Gisele Alves Moura, Débora Almeida, Sarita Houli Brumer, Lana Guelero, Jeckie Brown, Maria de Fátima Barbosa, Aleta Gomes Vieira, Marina D’elia, Claudiléa de Lemos

Sinopse
Atendendo a um anúncio de jornal, oitenta e três mulheres contaram suas histórias de vida num estúdio. Em junho de 2006, vinte e três delas foram selecionadas e filmadas no Teatro Glauce Rocha. Em setembro do mesmo ano, atrizes interpretaram, a seu modo, as histórias contadas pelas personagens escolhidas.


“Jogo de cena” traz duelo entre realidade e ficção

26/09/2011

O que faz de um diretor um grande artista é a capacidade de se reinventar sem, no entanto, abandonar seus traços autorais. O veterano Eduardo Coutinho (de “Cabra marcado para morrer”, “Santo forte” e “Edifício Master”) certamente já não precisava mais provar seu valor, mas eis que ele decide lançar um filme brilhante como “Jogo de cena” e mostra que não é apenas um grande diretor, mas é também genial.

O filme, que está em cartaz na Mostra de São Paulo nesta sexta-feira (26), mistura documentário e ficção, trazendo à tona um duelo entre a realidade e a atuação. Em frente à câmera, mulheres reais e atrizes, incluindo Fernanda Torres, Andréa Beltrão e Marília Pêra, narram histórias extremamente pessoais e emotivas. O jogo está em descobrir quais são as mulheres reais e quais são as atrizes.

O ponto de partida do longa é um anúncio de jornal, que levou 83 mulheres a contarem suas histórias de vida num estúdio. Em seguida, 23 delas foram selecionadas e filmadas pelo cineasta. As palavras reais viraram texto para um grupo de atrizes, que interpretam, a seu modo, os dramas de cada uma delas.

O princípio é inteligente, mas Coutinho não parou por aí. Além de demonstrar uma sensibilidade extraordinária para selecionar as personagens e suas respectivas histórias, o diretor tem o dom de deixá-las mais à vontade que no divã do analista.

O resultado é uma hora e meia de mergulho emocional, nas experiências dessas mulheres, e cerebral, no jogo proposto pelo cineasta. No duelo entre realidade e atuação, a primeira sai ganhando, é claro. Afinal, Coutinho colocou um pé na ficção, mas sua alma continua sendo de documentarista.

Texto escrito por Carla Meneghini no G1


“Jogo de Cena”: existe fronteira entre realidade e ficção?

23/09/2011

Jogo de Cena, décimo longa metragem de Eduardo Coutinho, foi um dos melhores filmes da recente Mostra Internacional de São Paulo. Seu argumento parece tão simplório que a simples leitura do release desinteressaria o cinéfilo que não conhecesse o diretor: convocadas por intermédio de um anúncio de jornal, diversas mulheres dirigiram-se a um teatro para contar uma história marcante de sua vida. Todas se relacionam com a afetividade familiar, a maioria sobre pais (mães) e filhos. As histórias são contadas duas vezes, uma pela protagonista e outra por uma atriz, sempre sentadas diante das cadeiras de um teatro vazio. O cenário não poderia ser mais significativo.

A idéia lembra o belíssimo livro Pensei que Meu Pai Fosse Deus, do americano Paul Auster, mas o resultado na tela surpreende até os fãs mais empedernidos (que não são poucos) do diretor. O que parecia uma encenação repetitiva torna-se um genial experimento sobre a fronteira entre realidade e ficção. As possibilidades de interpretação abertas por Coutinho são muitas e o filme está mais interessado em levantar questões do que em responder.

Ao misturar atrizes famosas com mulheres comuns, entende-se melhor o processo de criação da ficção a partir de fatos reais (há fatos irreais?), bem como o fato que a emoção pode vir tanto da interpretação quanto do relato vivido. Mesmo este não deixa de ser uma ficção, não apenas porque diante da câmera tendemos todos à interpretação, mas porque muitas histórias podem ter sido aumentadas para garantir o interesse do diretor-ouvinte. Algumas podem ser invenção.

Se ficasse apenas no simples dueto atriz-contadora, Jogo de Cena já teria seu valor. Mas como um velho alquimista diante da possibilidade de transformar metal em ouro, Coutinho experimenta mais, e em algumas histórias utiliza atrizes desconhecidas interpretando a mesma história contada antes (ou depois?) por quem a vivenciou. À saída da sessão para os jornalistas, o amigo e crítico famoso Rubens Ewald Filho perguntou-me, sobre uma dessas histórias: “Você sabe qual daquelas duas era atriz?” Eu não estava seguro para responder, mas disse (e acredito) que a grande sacada do filme estava justamente em não termos certeza. É nessa dúvida que paira a fronteira entre ficção e realidade. Talvez nem haja mesmo fronteira.

Os experimentos prosseguem, num turbilhão criativo que parece não ter fim. Uma única narradora não tem sua história repetida. Trata-se da negra magra, que transou com um motorista de ônibus na guarita. Mas na última frase de seu longo e divertido (mas também triste) relato, ela afirma: “Foi isso que ela disse”. Assim, num mesmo personagem, Coutinho criou o efeito de dúvida para o qual até então eram necessárias duas mulheres.

Mesmo com o processo de filmagem escancarado, com as personagens subindo escadas, passando por câmeras, microfones e cumprimentando a equipe de Coutinho, há espaço para a sensação de real, para a emoção pura da identificação (ou repúdio) com as histórias. Há também uma interessante presença extra-cena do diretor, quando a descendente de turcos rompida com a filha diz a Coutinho “Você está rindo é? Mas é triste”. Sem querer, nos lembra que o diretor também está sujeito às emoções provocadas pelo relato. Naquele momento, nós também estávamos rindo. De certa forma lembra o diretor puxado para diante das câmeras pelo entrevistado no curta Casa de Cachorro, analisado por Jean-Claude Bernardet na nova edição de seu clássico livro Cineastas e Imagens do Povo.

A mistura entre personagem e ator chega ao ponto de Coutinho se transformar em ator. Diante das pessoas que viveram os fatos, ele faz as perguntas como qualquer documentarista. E elas nem são especialmente brilhantes, algumas até banais. Mas diante das atrizes, ele repete as mesmas perguntas, com a mesma entonação curiosa da primeira vez, mostrando ter algum talento dramatúrgico. Mesmo fora de cena, ele também está no jogo.

Enquanto outras atrizes choraram ao interpretar a história contada, Marília Pêra preferiu conter suas lágrimas. E, atenta ao processo de desconstrução real-ficção em curso, mostrou uma espécie de batom, chamado pelos atores de cristal japonês, utilizado para provocar lágrimas. Um truque simples: antes da cena, o ator passa um pouco do produto na ponta dos dedos, como se fosse mesmo um batom. Na hora de chorar, esfrega os olhos fingindo limpar uma lágrima e elas passam a brotar naturalmente. Para quem achava que o ator precisava vivenciar a emoção ou entrar em algum transe para chorar em cena, foi mais uma ruptura entre realidade e ficção. Não é à toa que qualquer atorzinho de Malhação consegue chorar.

Não satisfeito, Coutinho nos reserva lágrimas reais no final. A turca rompida com a filha citada acima volta ao jogo de cena, reclamando insatisfação com o depoimento inicial. É a única vez que isso acontece no filme. Consumida pela saudade da filha que a ignora desde que a mãe a agrediu, e que mora nos EUA, ela canta “Se Essa Rua Fosse Minha”, clássica canção de ninar. À maneira do personagem que canta Sinatra em Edifício Master, é difícil conter as lágrimas. Cada estrofe da velha canção ganha novos contornos, como se escritas especialmente para retratar os dois lados da difícil relação de amor entre mãe e filha, onde não há espaço para a compreensão mútua: “Se eu roubei teu coração, foi porque tu também roubaste o meu”. A filha também deve sofrer.

Desde Nanook do Norte e alguns filmes de Jean Rouch, ninguém mexia tanto com a fronteira entre realidade e ficção. Ao final de tanto experimento, Coutinho conseguiu um desses raros filmes que não terminam nos letreiros, mas saem conosco para os bares, restaurantes, sofá da sala, hall do cinema ou qualquer lugar onde dois ou mais cinéfilos possam conversar por muito tempo. Jogo de Cena é ouro puro.

Texto escrito por Marcelo Lyra no Cinequannon