Dolls

26/05/2013

dollsO filme do mês de maio, Dolls (2002), do aclamado ator e diretor japonês Takeshi Kitano, surpreende por trazer um silêncio perturbador e uma beleza avassaladora, caminho oposto ao tomado nos trabalhos anteriores como Hana-Bi (1997) e Brother (2000).

As sequências a seguir tratam de três histórias sobre amor, desilusão, amargura e melancolia. Temas universais que Kitano trabalha com primor e delicadeza, independente do momento histórico ou do lugar, tornando cada historia única, particular.

O início da história mostra a cena de um casal de bonecos do Teatro Bunraku, uma manifestação tradicional da cultura japonesa onde os bonecos não demonstram expressão facial ou emocional. Este inicio traz uma enigmática pista do desenvolvimento dos personagens.

A primeira trama desenvolve-se no rompimento do casal Matsumo (Hidetoshi Nishijima) e Sawako (Miho Kanno), a outra história retrata a obsessão de um homem por uma artista pop e há ainda espaço para o entrelace de um terceiro ato em que um figurão da máfia solitário decide reencontrar um amor do passado. As ações resultam em suicídio, culpa, dependência e dor. Sem dar muitos detalhes, afinal o fator surpresa faz parte, todas as histórias demonstram uma profunda tristeza que não deixa de ser poética e bonita, contestada ou reforçada o tempo todo pela exuberância visual do filme.

Se o tema do Clube para 2013 é “O lugar onde o filme acontece”, Dolls entra com louvor. Neste caso, toda a direção de arte acaba virando uma personagem do filme, essencial para a história e seu entendimento. O contraste entre a expressão quase inexistente do primeiro casal e as paisagens, lugares, figurinos é gritante, toda carga dramática, o grito contido, o choro, o sorriso triste, o amor não correspondido, tudo isso parece estar presente na direção de arte e transborda aos olhos do espectador.

O filme é carregado de beleza e simbologias que enriquecem a leitura, forma tecituras, envolve os personagens. As cores presentes, os bonecos, o fio que une o casal, as estações do ano que marcam a trama, os silêncios constantes formam lacunas ocupadas pela beleza do entorno, dão respiro, tornam o filme uma experiência visual, sensorial, psicológica que fica ecoando mesmo depois de seu fim.

Dolls é uma experiência do belo.

* Texto escrito por Ivana Lemos e Juliana Perrella e distribuído como programa da exibição do filme Dolls


Nesta terça tem Dolls

13/05/2013

DollsEm maio, o projeto Terça Tem Cinema apresenta o filme Dolls.

Dia: 14 de maio
Hora: 18h30
Local: Miniauditório do Campus Curitiba da UTFPR

Confira a ficha técnica:

Título original: Dolls
Gênero: Drama
Duração: 114 minutos
Ano de lançamento: 2002
País: Japão
Direção: Takeshi Kitano
Elenco: Miho Kanno, Hidetoshi Nishijima, Tatsuya Mihashi, Chieko Matsubara, Kyôko Fukada, Ysutomu Takeshige.

Sinopse: Três histórias se entrelaçam no filme: Após uma tentativa de suicídio de sua noiva rejeitada, Matsumoto tira a amada do hospital e passa a vagar em sua companhia, amarrados com uma corda; Nukui é obcecado pela pop star Haruna, mesmo depois de ela sofrer um acidente de carro; um velho yakuza tenta se reencontrar com a namorada da juventude.


Dolls

22/04/2013

dolls2É de espantar a violência visual e a crueldade com que o diretor japonês, ex-comediante, Takeshi Kitano trata suas personagens. Mas não cabe aqui a comparação – que se faz habitual e erroneamente – com Quentin Tarantino. Enquanto o norte-americano se interessa pela banalidade de diálogos ostensivos, Kitano guarda no silêncio a sua ferramenta. Não se trata de nenhum exercício de sadismo ou de apologia da sangüinolência, mas de um olhar amargo sobre a vida, o amor e a cumplicidade.

Hana-bi – Fogos de artifício (1997) e Brother – A Máfia japonesa em Los Angeles (2000) são os dois exemplos mais representativos da técnica kitaniana, na qual a rigidez do código de honra dos assassinos da Yakuza é estendida a toda à sociedade reprimida do Japão. Sociedade que, desde o tempo dos samurais, dependente de regras sociais, incapaz de responder à tentação da rebeldia coletiva. No entanto, justamente o recente Dolls (2002), o único da trinca que não se concentra nas relações ferozes da Yakuza, o cineasta diz ser seu filme mais brutal – pela violência majoritariamente psicológica, não visual como nos trabalhos anteriores.

E as intenções de Kitano ficam evidentes logo na seqüência inicial. Uma apresentação de teatro de marionetes aquece o espectador e dá indícios da conduta do filme. Bonecos sem expressão transmitem agonia muda, e à coreografia das cordas do destino não cabe contorno. Logo são introduzidos os dois protagonistas. Matsumoto (Hidetoshi Nishijima) e Sawako (Miho Kanno) caminham presos por uma grossa corda vermelha. Não conversam, não se tocam, não param – apenas vagam num cenário idílico que lembra o lirismo de Akira Kurosawa (1910-1998).

Corta para o passado. Matsumoto, prestes a se casar com a filha de seu patrão, foge da igreja ao descobrir que Sawako, sua ex-namorada, acaba de tentar suicídio devido ao rompimento repentino. A moça não morreu, mas entrou num transe vegetativo. Matsumoto decide fugir com ela, cuidar de seu verdadeiro amor. Com o tempo, até se acostuma com a falta de comunicação. Todavia, para evitar que Sawako sofra algum acidente, se amarra à mulher. E começa assim a andança sem rumo.

Quando toda a situação já está assimilada pelo espectador, ao episódio do casal, somam-se mais dois, periféricos. No primeiro, um veterano da Yakuza decide procurar o grande amor da adolescência, abandonada sem justificativas em nome da carreira profissional. No segundo, o fã cego de uma estrela da música pop consegue se encontrar com sua musa, que se afastou do showbiz após um acidente que a deformou.

Às vezes, Kitano parece não confiar no próprio taco, e peca por uma certa reiteração constante de idéias já construídas anteriormente – como nas imagens do casal amarrado e na repetição da metáfora do teatro de bonecos. Mas o desfecho dos três casos – pancada que chega justamente no momento de maior ternura – comprova a afirmação de Kitano: Dolls é de uma brutalidade mais do que eficiente. Segundo o filme, lento mas feroz, todo comprometimento pressupõe a privação da vida. Ou seja, grosso modo, é melhor se conformar. Pois o amor tem muito mais de sacrifício do que de realização.

* Texto escrito por Marcelo Hessel no Omelete


Dolls: Um filme que mistura bem as cores, personagens e seus sofrimentos. Takeshi Kitano é o grande nome do atual cinema japonês

18/04/2013

dollsTakeshi Kitano é, sem dúvidas, um dos maiores nomes do cinema japonês atual. Diretor do excelente e inaudito Zatoichi, que saiu dos cinemas brasileiros há pouco tempo, Kitano também foi responsável por Hana-bi – Fogos de Artifício, Brother, Tabu e vários outros filmes. Sua filmografia é extensa, e inclui desde modestas aparições até direção e roteiro, como foi o caso de Dolls, lançado em 2002 e recentemente distribuído em DVD no Brasil, pela California Filmes.

Embora adepto de um estilo mais moderno, algo que gire em torno de gangues e violência, Kitano deixa sua marca inconfundível em Dolls, ao abusar de seu estilo fotográfico e do modo como mescla cenas diversas numa tomada só. Não apenas isso, mas há também o modo como todo o enredo é conduzido, com alternância de narração psicológica e cronológica e um profissionalíssimo trabalho de edição.

O filme conta três histórias de drama e romance, iniciando com uma apresentação de fantoches bunraku, que servirá de suporte à história central. Nela, Matsumo (Hidetoshi Nishijima) e Sawako (Miho Kanno) pretendem se casar. Entretanto, Matsumoto recebe uma proposta para casar-se com a filha do presidente de sua empresa, o que a seu ver é muito mais vantajoso. Sem escrúpulos, ele larga a namorada, que, ao saber da decisão, tenta o suicídio. A tentativa é frustrada, e ela acaba por perder a memória. Ao saber disso, Matsumoto larga o casamento e passa a acompanhar a ex-namorada, para que ela não fuja e sofra algum acidente, uma vez que está absolutamente indefesa e alheia ao mundo. Ele amarra uma corda à sua cintura e à cintura dela, de modo que possa controlá-la. A partir daí, passam a andar pela cidade, sem rumo e sem qualquer perspectiva de felicidade.

Duas outras histórias entrelaçam-se com a primeira: uma sobre Haruna Yamaguchi, pop star interpretada por Kyoko Fukada (também presente em Ringu 2) e seu trágico acidente, que deforma seu rosto e a afasta dos fãs, exceto por um, apaixonado por ela; e outra sobre Hiro (Tatsuya Mihachi), chefe da máfia, que se reencontra com a namorada após tê-la deixado muito tempo atrás.

O grande destaque das atuações fica por conta de Miho Kanno. Suas falas são pouquíssimas, mas, mesmo assim, ela transmite ao espectador o vazio e a angústia que a cercam e a fazem tão dependente do ex-namorado. Ele, por sua vez, tem uma atuação pior, mas que tende a melhorar com o decorrer do enredo. Lá pelos últimos momentos do filme o espectador está completamente identificado e absorto pela atuação de ambos. Embora os outros atores sigam uma linha mediana de interpretação, uma vez que seu espaço na película é reduzido e partilhado com os outros, seus sofrimentos, suas tristezas e suas desilusões são perfeitamente visíveis e conseguem emocionar.

Dolls chama a atenção por apresentar um formato diferente do usual, graças ao seu impecável trabalho de edição. A primeira parte do filme apresenta uma narração claramente psicológica, sustentada por flashbacks muito bem encaixados. Depois, a narração é predominantemente cronológica, mas o trabalho de edição permanece formidável.

Usando as câmeras de modo inteligente, Dolls captura e transmite ao espectador uma poesia visual que reúne cores e formas, sem transgredir a harmonia, numa fotografia invejável. A música de Joe Hisashi (que também compôs a trilha de A Viagem de Chihiro) serve de sustentáculo aos elementos da paisagem, dando rumo e sentido ao espetáculo visual que transborda pelas câmeras. O vasto leque de cores, o figurino minucioso e os cenários belos e grandiosos impõem à película sua magnitude e seu tom dramático, em cenas que, muitas vezes, não passam de metáforas visuais.

Com um enredo sem pressa, mas que exige atenção, Dolls deixa o espectador pensando até mesmo depois do rolar dos créditos. Os diálogos, poucos, desenvolvem a história de maneira admirável, e o silêncio perturbador e muito expressivo que ronda as personagens centrais é suficiente para emocionar e fazer refletir. O conjunto da obra demonstra por que Takeshi Kitano é o grande nome do atual cinema japonês – e, claro, a fotografia estonteante é um convite à reprise.

* Texto escrito por Flávio Augusto no Cineplayers