Escritores nas telas

15/03/2011

Como o primeiro filme da seleção de 2011 é “Mais Estranho que a Ficção”, selecionei alguns outros filmes que falam sobre escrita e escritores. A lista estava ficando gigantesca, mas resolvi cortar alguns que eram mais ou menos óbvios, além de outros que só mostram gente e uma máquina de escrever na mesma cena. Também fiz questão de excluir os filmes ruins e odiosos (na minha opinião).

Por isso, algumas omissões mais óbvias são, por exemplo, “Meu Primeiro Amor” (ela escrevia poemas, e faz um curso de escrita criativa, e se apaixona pelo professor, mas isso não é o mais importante) e “Pergunte ao Pó” (Fante se revirando no túmulo vendo seu alter-ego, Arturo Bandini, se transformando em algo bizarro).

É importante frisar que É ÓBVIO que faltam muitos filmes. Fiquem à vontade para sugerir mais nos comentários.

De toda forma, sem mais delongas, vamos à lista:

O Carteiro e o Poeta (1994)

Pablo Neruda é exilado na Itália. Praticamente sem contato humano, exceto a entrega de correspondência diária. O carteiro, por sua vez, começa a aprender a beleza da poesia, talvez menos como escrita por si, mas como uma forma de enxergar o mundo.

Barton Fink (1991)

Filme dos Irmãos Coen, o que já diz muito. John Turturro (grande ator subestimado) faz o personagem título, encarcerado num hotel, obrigado a escrever um roteiro para um filme sobre lutas. E, bem, é um filme dos Coen. Qualquer detalhe a mais estragaria o filme.

Adaptação (2002)

Esse filme repete a dobradinha de “Quero Ser John Malkovich”: Spike Jonze na direção e Charlie Kauffman nos roteiros. Passamos esse filme no fim do primeiro ano do clube. A história é a do próprio Charlie (e seu irmão Donald) tentando escrever um roteiro que adapte para as telas o livro-reportagem “O ladrão de orquídeas” de Susan Orlean. Até certo ponto. Depois o filme vira outra coisa.

As Horas (2002)

Este é baseado num livro de mesmo nome que, por sua vez, deriva do “Mrs. Dallway”, um dos clássicos de Virgínia Wolf. No filme acompanhamos três mulheres de épocas diferentes. A própria Virgínia, em vias de acabar com a própria vida, uma jovem mãe de família, leitora do tal livro e, por fim, uma Mrs. Dalloway contemporânea. Todas as histórias se cruzam e, no fim, tudo faz sentido.

O Livro de Cabeceira (1996)

Este é mais complicado. Mas, vamos tentar. É a história de uma menina que é filha de um escritor. Todo ano, no seu aniversário, o pai pinta seu rosto com ideogramas japoneses. Isso deixa ela alucinada com caligrafia e desenvolve uma tara por ter seu corpo escrito. Até que ela conhece o Ewan Mcgregor, que tem uma caligrafia terrível, mas é um bom escritor. Aí ela decide, ela própria, começar a escrever, meio que como vingança em relação ao editor do pai dela. E isso, pelo que me lembro, são só 30 minutos iniciais do filme.

Barfly (1987)

Baseado na obra de Charles Bukowski. Quem conhece o velho Buk sabe que ele, em geral, escreve sobre si mesmo. Ou seja: beber, transar e escrever (perdendo muitos sub-empregos no meio do caminho). E, como o personagem central é o Henry Chinaski, seu mais célebre alter-ego, o filme não foge muito disso.

O Iluminado (1980)

Você não viu esse filme? Sério? Bem, o máximo perdoável é não se lembrar que havia um escritor, mas o personagem de Jack Nicholson era um dramaturgo em busca de inspiração. “Muito trabalho e pouca diversão, fazem de Jack um grande bobão”.

Desejo e Reparação (2007)

Um erro infantil tem consequências devastadoras e a imortalidade da ficção é uma das poucas possibilidades de redenção. Qualquer palavra a mais, caso você não tenha visto, estragaria a sessão. Além de tudo, tem uma fotografia bonita de doer.

Desconstruindo Harry (1997)

Woody Allen é, também, escritor (e jazzista, e diretor, e ator, e roteirista e já fazia stand up quando a moçada do CQC nem existia, quem dirá suas fraldas). Por isso é difícil apontar um filme onde essa marca seja mais pesada. Fico com “Desconstruindo Harry” mais por estar centrada na figura de um escritor, que passa o filme lidando com seus personagens, que não deixam de ser manifestações de si mesmo. Uma curiosidade: o Robin Williams não aparece no filme e, por isso, não é creditado no início.

Louca Obsessão (1990)

Um escritor, que é o James Caan, sofre um acidente numa área isolada e fica aos cuidados de uma enfermeira que não só é a Kathy Bates (atenção para o sobrenome), como é, literalmente, louca pelos livros dele. Quando ela descobre que o personagem favorito dela vai morrer no próximo livro, ela surta.

Menção honrosa: Johnny Depp

Ele interpretou escritores em “Medo e Delírio em Las Vegas” (1998), “Em Busca da Terra do Nunca” (2004), “Janela Secreta” (2004) e “O Libertino” (2004). Além disso, ele faz um travesti cubano em “Antes do Anoitecer” (2000), filme com o Javier Barden que conta a história do escritor Reinaldo Arenas.


Spike Jonze e Charlie Kaufman, a gente recomenda!

18/12/2009

Gostou de Adaptação, né? A dobradinha Spike Jonze-Charlie Kaufman é bem bacana afinal! Eles estão juntos ainda em Quero Ser John Malkovich. Quer saber o que mais eles fizeram?

Filmografia de Spike Jonze

como diretor:

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Filmografia de Charlie Kaufman

como roteirista:

como diretor:

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Adaptação*

15/12/2009

O filme “Adaptação” é, por assim dizer, um roteiro original sobre a inadaptabilidade do livro “O Ladrão de Orquídeas”, de Susan Orlean. Isso seria o suficiente para se despertar uma curiosidade acerca do livro: o que ele teria de tão inadaptável?

“O Ladrão de Orquídeas” se apresenta como “uma história real sobre beleza e obsessão”. O ladrão de orquídeas em questão é John Laroche, um homem que foi preso com alguns índios, por ter roubado plantas nativas no sul da Flórida, e que foi julgado por isso. Embora John Laroche seja um personagem interessante – que se apaixona e desapaixona por determinados hobbies com a mesma intensidade – ele, ao contrário do que poderia parecer a princípio, não é a personagem principal da história.

Apesar de falar de flores e de obsessão, a personagem principal acaba sendo a própria autora. “O Ladrão de Orquídeas” é basicamente um livro-reportagem, que conta não só o caso de John Laroche, como também esmiuça o que Susan aprendeu sobre orquídeas naquele período, os seus percalços enquanto fazia essa sua investigação, e, claro, a estranha obsessão que essas flores são capazes de despertar nas pessoas.

E a partir daí, não poderia sair uma adaptação para o cinema? O maior problema, talvez, seja que o livro não segue uma única história. Apesar de começar com o julgamento de John Laroche, ele se aprofunda muito mais nesse mundo quase místico dos apreciadores de orquídeas, com suas feiras, expedições, histórias de roubo, riqueza e obsessão.

A ideia do roteirista Charlie Kaufman para trazer a história de “O Ladrão de Orquídeas” para o cinema se resolveu com uma adaptação não tão literal da obra original. Se lá são mostrados os pormenores da produção do livro, no filme ele mostra o árduo processo de adaptação, e a difícil tarefa da criação de um roteiro, ainda mais desse roteiro, de maneira que captasse a essência do livro.

A falta de um conflito no livro que pudesse resultar em grande efeito no cinema é resolvido ao serem acrescentadas situações originais, que não existiam no livro, e que acabam criando uma tensão maior no filme. Isso acaba resultando em alguns momentos clichês? Sim, mas pode-se dizer que esse efeito é proposital, pois “Adaptação” trabalha muito com metalinguagem (um ponto em comum com “O Ladrão de Orquídeas”), e nos faz mergulhar nesse mundo da produção de roteiros, com seus momentos iluminados, mas também com suas repetições, e com as estranhas obsessões de cada um.

E nesse aspecto das obsessões é que livro e filme encontram seu grande ponto de união.

*Texto do programa distribuído durante exibição de “Adaptação”, no dia 14 de dezembro de 2009.


A mente mirabolante de Charlie Kaufman

06/12/2009

Por Bruno Ghetti, para a revista Trópico, na ocasião do lançamento de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças

Charlie Kaufman é o cara!

“Um filme deve ter a personalidade de quem o dirige”, esbravejava um grupo de jovens franceses nos anos 50, cheios de energia e fúria contra o cinema feito na França na época. Eles viam o diretor como o verdadeiro “autor” dos filmes, responsabilizando-o pelo seu eventual êxito ou fracasso.

Em geral, a “teoria do autor” faz sentido, mas certos filmes fazem o espectador desconfiar dessa máxima “nouvelle vaguista” e repensar até que ponto tal teoria já se encontra desgastada e, em última análise, até onde ela faz justiça aos demais membros da equipe de um filme.

Obras como “Quero ser John Malkovich”, “Adaptação” e o recentemente lançado no país “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” têm em comum o fato de trazerem esses questionamentos à tona. Também têm em comum o nome de Charlie Kaufman nos créditos, o roteirista mais popular e poderoso de Hollywood atualmente.

“O cinema é fruto de um enorme trabalho de colaboração”, Kaufman diz, criticando a “teoria do autor” e, ao mesmo tempo, negando que os filmes baseados em seus roteiros seriam “filmes de roteirista”.

Com 45 anos de idade, cinco roteiros filmados, duas indicações para o Oscar e uma cabeça assustadoramente cheia de idéias, Kaufman ganhou notoriedade graças aos seus roteiros bem estruturados, inteligentes e, sobretudo, inventivos. Muitos chegam a considerá-lo o real “autor” dos filmes baseados em seus roteiros.

Kaufman costuma causar reações extremas: há os que idolatram a sua criatividade, enquanto outros o repudiam, tachando-o de pretensioso e narcisista (chegou ao extremo de, em “Adaptação”, escrever sobre si mesmo e sua dificuldade de escrever o roteiro de… “Adaptação”!). “Não me importo em ser chamado de narcisista. Escrevo sobre mim e as coisas que conheço. Falando de mim mesmo, o resultado vai ser sempre verdadeiro, honesto”, ele se defende, na entrevista abaixo, concedida por telefone, de Los Angeles.

Até que ponto ele será capaz de criar roteiros tão engenhosos? É uma pergunta que todos se fazem, e seu próximo trabalho é sempre aguardado com expectativa. Agora, Kaufman garante que quer também dirigir um de seus roteiros. Ali, não haverá dúvidas: vai se saber que o filme tem, sim, um autor e que, com certeza, ele é Charlie Kaufman.

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Curiosidades sobre Adaptação

01/12/2009
  • O filme é baseado na luta do roteirista Charlie Kaufman para adaptar o livro O Ladrão de Orquídeas.
  • Em Portugal, o título do filme foi traduzido para Inadaptado, o que faz muito sentido.
  • Os créditos incluem Donald Kaufman como co-roteirista. Ele também aparece como um dos personagens do filme, e, no fim dos créditos, Adaptação é dedicado “em memória amorosa” (in loving memory) de Donald. Mas Donald é apenas um personagem fictício.
  • Donald Kaufman chegou a ser indicado para um Globo de Ouro com Charlie Kaufman. Os dois também foram indicados ao Oscar e a Academia deixou claro que, em caso de vitória, os dois irmãos teriam que dividir uma estatueta.
  • Em uma cena, Charlie chega em casa e checa sua correspondência. Ele está de frente para um espelho, e Donald está atrás de Charlie falando com ele. O reflexo do fictício Donald Kaufman no espelho é, na verdade, o real Charlie Kaufman.

    Nicolas Cage e Susan Orlean, feliz porque iria aparecer no filme. Aaaaahh...

  • A escritora e jornalista Susan Orlean iria aparecer no filme como uma das duas mulheres que, segundo pensa Charlie Kaufman, estão brincando com a cara dele no supermercado. Mas a cena foi cortada antes de o filme chegar aos cinemas.
  • Em um primeiro momento, Susan Orlean estava preocupada com o fato de que algumas pessoas pudessem achar que a forma como ela foi retratada no filme era correta. Mas então ela foi lembrada de como Charlie Kaufman estava se autorretratando no filme.

Fonte: IMDb